Centro de Vitória

Sobre movimento


Mudei-me para o centro por uma semana, quis sentir o barulho para dormir, o sol quente para ir almoçar no restaurante, a fila do supermercado. Não que eu tenha a pretensão de achar que eu vou ser moradora de verdade em uma semana, que eu vou pegar uma rotina e que eu vou viver o centro. Não se trata disso. O fato é que estar aqui uma semana já facilita bastante o processo. Posso pensar esses espaços em tempo integral, conversar com as pessoas e ser um pouquinho mais parte disso tudo.

Assim, para começar passei a tarde tirando fotos para o vídeo do PG com um amigo, o Chico, fotografo profi e sensacional. Escolhi a técnica que ele usa, o time lapse- onde por uma seqüência de fotos se cria um vídeo- por conseguir observar mais o movimento dos elementos do espaço. Interessante é pensar o espaço através desse movimento, numa combinação de ritmo. Temos o movimento dos pedestres, alguns mais rápidos que outros, o movimento dos carros, das bicicletas, do vento, da maré, do navio, da catraia, das sombras, enfim...

 E a cidade se sustenta na sinergia desses fluxos, onde cada um se destaca em relação ao outro que se adéqua. Isso pode ser notado, por exemplo, na velocidade dos pedestres que em alguns momentos precisam se adequar a velocidade dos carros. Ou a velocidade da catraia que se adéqua a velocidade do vento. E todas essas combinações de velocidade/movimento, formam a cidade, e fazem dessa um local interessante ou não para as pessoas viverem.

Fica bastante evidente também, o quanto o desenho urbano interfere na velocidade desses movimentos. Tal como uma via larga do tipo de piso de asfalto, que interfere na vivencia de um local, já que permite uma grande velocidade dos carros que se destaca em relação à dos pedestres. Agora se essa mesma via fosse de um piso mais trepidante, a velocidade dos carros seria menor, o que ocasionaria uma convivência melhor de carro e pedestre. Nesse sentido é só buscar na memória o que a gente sente na Jerônimo Monteiro e na Rua Sete, assim a gente vê que são vivências opostas, gerada por desenhos urbanos opostos. Logo, a gente também percebe o quanto um arquiteto é responsável por permitir encontros ou não, numa cidade.




Rua 7


Sentada na Rua 7, me chama atenção um moço que passa apressado na direção da Costa Pereira a Piedade. No rosto, uma expressão de cansado, nas mãos, algumas sacolas de supermercado. Fiquei pensando que talvez tivera um dia cansativo e quisesse passar o restinho do seu dia (eram cerca de 22 horas) com a família. Fiquei pensando que é nesse cotidiano que a cidade se transforma, antes do seu passar apressado, a cidade era uma, agora a cidade tem as marcas dos seus passos. Assim como um rio que corre, e que a cada unidade mínima de tempo, não é mais aquele rio. Assim como era a Rua 7 antes, um trecho que carregava as águas da Fonte Grande, e agora carrega séculos de memória.

A Rua 7 é um pedaço significativo da riqueza que é o Centro, uma construção coletiva de muitas de sobreposições. -Olhando para os lados existem as casas baixinhas em estilo eclético e em estilo proto-moderno e olhando para cima prédios já em estilo moderno, afirmando que sim, viveram ali gerações e gerações de pessoas, que deixaram no espaço e no tempo pedaços do que foram. E o mais interessante é que os prédios gigantes e imponentes, convivem com as casas pequenas e modestas, com os botecos e lojas de armarinho, ótica e num sei o que mais,  com os milhares de fios em cima, com o piso irregular do chão. Tudo isso resultando num caos/harmonia único, numa vivência intensa de quase 24 horas no dia, mostrando que sim, diversidade também é fator relevante de cidade que se vive.

E assim, foi tomando cerveja na Rua Sete que eu tive certeza (vou falar a grosso modo) que por mais que vivemos num sistema capitalista, que usa como sustentação, moldar o indíviduo como se estivessem fazendo biscoito. Tentando diminuir o sujeito como mero objeto de produção e de consumo. Por mais que digam que os sistemas de informação e comunicação chegaram num ponto em que as cidades vão perder suas características que as diferenciam e se tornarem lugares sem identidade. Foi vivendo o urbano que pude perceber que elas possuem uma resistência própria, que na sua construção coletiva, ela deixa frestas, interstícios a serem descobertos, lugares que para alguém vai ser especial de alguma maneira. E assim a gente vai se identificando e se sentindo dono, autor, parte.

Bonito foi o garçom de um dos bares da Rua 7  falando que todo dia, de madrugada , ele leva o cachorro para passear e uma garrafa de vinho, lá no mirante do morro de Santa Clara. É um dos casos de vários, de gente que no cotidiano, se apropria dos espaços públicos, modifica a história de um lugar e se modifica numa sinergia necessária com o espaço que vive.

Fiquei imaginando ele no mirante, assistindo uma cidade lá em baixo, que agora é tranquila e com imagem feita de luzes. Uma cidade que na sua maioria dorme, mas deixa ali aparente um processo/produto de séculos de vida. E ele ali, se sentindo parte de Vitória. Esqueci o nome do garçom, mas com certeza vou voltar para falar com ele.

Depois disso, ja meio viajando nessas histórias todas, fui embora, e lá mesmo na Rua 7, em cima de um  prédio gigante, se destaca uma única lâmpada acesa, enfatizando uma subjetividade que mesmo sem vista, se faz presente na composição da cidade.




Foto tirada de um outro dia,
num domingo, do bar do Bimbo.
Lembrar de tirar outra decente.






Trampolim

Dedico o meu primeiro post de impressões do Centro a uma Performance do Projeto Trampolim.


Talvez a palavra seja excesso, mas excesso que transborda e se dobra, não que sobra. De longe ouço um apito de um navio, sinto o vento forte, o barulho de folha caindo, uma criança mal vestida, um moço com cordão de prata me encarando. Vejo cores de pessoas, uma face serena de uma menina dentro do ônibus, mais um rosto de vários dentro desse mesmo ônibus, mais um rosto dentro de um ônibus, numa fila de muitos outros ônibus. Mais um rosto, mas com seu mundo dentro, com sua face serena guardando pensamentos que só pertencem a si de inicio a fim. Logo após meu olhar se detém em outra face, agora uma criança me fazendo careta de outro ônibus, de outra fila, porque aquela já se foi. Uma criança com outro mundo guardado, outras referências, outras histórias, outro desenho de linhas na mão.

Cidade tem dessas coisas, uma teia de rostos se cruzando o tempo todo, onde cada um guarda seus anseios, seus medos, seu filme preferido, o que faz rir, cada um sabe o que tem dentro de si, o que faz ali, de onde veio e pra onde vai.  O cotidiano de cada um é resultado de toda uma vida, de vários fatores que geram uma combinação de movimentos, e se misturam, um interfere no outro, mesmo que não se perceba.

Cotidianos também viciam, faz com que o percurso de um ponto ao outro seja feito no “modo automático”, onde pouco se presta atenção no caminho, nas outras pessoas, em outras histórias. Fecha a gente na gente mesmo. E transforma tudo que ta em volta em pano de fundo, paisagem. Posso te citar como exemplo eu mesma, já fiz o percurso de casa a UFES infinita vezes, é só consegui ver que tinha uma árvore linda no caminho, quando está deu flores que gritaram nos meus olhos. Também já fiz o percurso até a praia outras infinitas vezes, e no caminho tem uma moça que vende água de coco, só fui ver que tinha um rosto muito bonito quando está passou a me cumprimentar, de tanto me vê. Antes ela era só mais um rosto de vários nesse mesmo caminho viciado.

Hoje fui ao centro, e vi uma cena dessas que acordam a gente, uma moça vinha da Casa Porto, na Jerônimo Monteiro com uma mala, cara de menina do interior e o que ela fazia era bem simples, trocava de roupa o percurso todo até o Palácio Anchieta. Bonito era ver a fila de ônibus engarrafado (a mesma lá de cima) com as pessoas colocando a cabeça para fora, formando um grande público, tentando entender. Bonito era aquele cenário, com aquele barulho todo de gente falando, perguntando se era novela. “Aposto que é pegadinha”.

Bonito era ver cotidianos se embolando e trocando interrogações. “Não! Deve ser um trabalho de escola”. E a moça da mala seguia imparcial, colocando mais uma combinação esquisita de roupa. “Moça! Tem vestiário aqui dentro.” E aquela quantidade infinita de roupas nas lojas, misturadas com as roupas na mala, se misturando as roupas das pessoas que sem ver se tornavam público, ator, personagem.

Bonito isso, seria ainda mais, se as pessoas interagissem mais uma com as outras, ou se o caminho deixasse de apenas a trajetória de um ponto a outro e se tornasse local de encontro, de vida. A perfomance serve para acordar, desviciar um pouquinho do mesmo arroz com feijão de cada dia, faz pensar.

O nome da moça é Amanda (http://www.plataforma-trampolim.com/amanda.html) e a performance faz parte do projeto Trampolim.




(prometo fotos assim que descarregar a câmera).